A vida tem diversas fases. A cada nova fase da vida,
entramos como alguém que entra com os olhos vendados em algum lugar onde jamais
havia entrado: no escuro. Entramos no escuro a cada nova fase da vida. Não
sabemos como vai ser. Não sabemos mesmo como é, ou como já foi. Nem mesmo
sabemos se é.
E assim seguimos nessa fase, passando aos poucos a
conhecê-la melhor e entende-la. Conhecemos as pessoas que vão fazer parte desta
fase, ou a imagem delas. A cada dia aprendemos mais sobre o novo terreno, as
novas condições e as possíveis continuações, as possíveis próximas fases.
E assim nossos dentes vão crescendo, aprendemos a mastigar, primeiro
as coisas macias, depois as “carnes” dessa nova fase; aprendemos a roer os
ossos e aprendemos que uma coxa de galinha fica mais gostosa quando usamos
diretamente as mãos para comê-la. E nossos dentes, então, cada vez mais fortes
se tornam.
Entretanto, continuamos permanentemente desdentados. Por
quê? Fases novas sempre aparecem e, embora haja cada vez mais
experiências na bagagem, continuamos sempre desdentados, pois nunca sabemos o
que vai acontecer. Nem mesmo os lendários psicopatas geniais (que se existirem,
têm minha profunda admiração) têm seus dentes permanentemente, pois por mais
que manipulem toda e qualquer situação para que ocorra da forma como querem,
quando num novo terreno, numa nova fase, passam seus primeiros momentos
observando o meio e as pessoas. São seus dentes que estão nascendo. Nascem mais
rápido do que os das pessoas normais, mas ainda, precisam nascer.
Logo, na realidade, somos crianças desdentadas que têm seus
dentes se desenvolvendo a cada nova fase na vida?
Mas... O que dizer dos dias? Dos
novos dias? Você sabe como vai ser amanhã? Você acha que sabe, ou tem uma
conclusão generalista de como vá ser, mas você nunca tem certeza absoluta de
como será. O dia de amanhã é sempre escuro antes de acontecer. Por mais que uma
análise posterior mostre que ele foi igual ao anterior, antes de ser não
sabemos como será. O mesmo acontece para os minutos, para as horas. Temos uma
noção de o que estaremos fazendo nas próximas horas, mas nunca podemos ter
certeza. A quem acha que a tem, a vida se encarrega de mostrar que nunca a
temos. Então somos crianças desdentadas sempre perante a vida, porquanto, por
mais que as experiências nos permitam já saber como mastigar certas situações,
sempre haverá situações novas, infindavelmente. E nunca sabemos quando essas
situações virão, então por mais que estejamos em terreno conhecido e com nossos
dentes firmes, sempre há relevante possibilidade de estarmos pisando no
desconhecido, achando que é conhecido. Nunca sabemos, ao certo, o que sabemos, o
que conhecemos. Nunca sabemos se sabemos ou conhecemos. Nunca sabemos.
Somos ainda crianças desdentadas perante a vida, perante o
mundo. E sempre o seremos. E quanto mais procurarmos saber, mais ainda veremos
o quanto ainda somos desdentados.
Manoela Brum
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